Mais de 220 000 pessoas morrem de câncer anualmente no país,
de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde. É a segunda maior causa de
óbitos no Brasil, atrás apenas de doenças cardiovasculares. Felizmente há
equipes de primeira linha e centros de excelência que trabalham para reduzir
esses números, com bons resultados, caso do Instituto do Câncer do Estado de
São Paulo (Icesp), na Avenida Doutor Arnaldo, e do A.C. Camargo, na Liberdade.
O personagem mais peculiar envolvido nessa batalha é o
pecuarista paulistano Henrique Prata, presidente do Hospital de Câncer de
Barretos, a 430 quilômetros da capital. Dono de 30 000 cabeças de gado e de
seis fazendas no norte do país, todas com nome de santo, como Tiago e Pedro,
ele possui um patrimônio de mais de 260 milhões de reais. Já atuou como peão de
rodeio, estudou só até os 15 anos e tem pavor de sangue e cirurgia. Ainda
assim, conseguiu levantar o maior e um dos melhores centros de tratamento
contra tumores do Brasil, com atendimento gratuito — e pelo qual não ganha nem
um centavo.
O complexo de saúde em questão é composto de três unidades com
dezenove pavilhões em uma área de 120 000 metros quadrados. Há ainda oito
filiais no interior paulista e em Mato Grosso do Sul, Rondônia, Bahia e Sergipe
— essa última, aberta em junho, na cidade de Lagarto. Juntas, elas são
responsáveis por 830 000 atendimentos por ano a pacientes de 2 000 municípios,
dos quais cerca de 9 000 são da capital e da Grande São Paulo.
Parte das despesas, incluindo cirurgias e salário dos
profissionais, é bancada pelo SUS. Eventos e doações feitas por empresários e
artistas complementam o orçamento da entidade. A nona unidade, em Campinas,
deve ser inaugurada no próximo dia 18. Outras duas estão em construção, no Acre
e no Amapá, com abertura prevista para 2018.
A equipe de 500 médicos tem especialização nas melhores
instituições do planeta — entre elas, a Agência Internacional para Pesquisa
sobre Câncer (Iarc), na França. Eles trabalham com equipamentos e procedimentos
de ponta, como o dispositivo PET/CT (tomografia por emissão de pósitrons) e a
cirurgia por robótica (o hospital foi o primeiro de atendimento gratuito do
país a adquirir a aparelhagem, em 2014).
Essas qualidades contribuíram para que a fundação fosse
reconhecida no exterior e obtivesse parceiros de peso como o MD Anderson Cancer
Center e o St. Jude Children’s Research Hospital, nos Estados Unidos,
considerados os maiores centros oncológicos do mundo. Tudo em Barretos é
monitorado por computadores de última geração.
Em 27 de junho, o complexo foi alvo de um ciberataque que
atingiu vários setores. A administração negou-se a atender os bandidos, que
exigiam o equivalente a 1 milhão de reais para pôr tudo em ordem, e, até quinta
passada, lutava para fazer com que os softwares voltassem a rodar sem
problemas.
A fundação também investe pesado em programas de prevenção
entre a população atendida, com exames periódicos e diagnóstico precoce,
sobretudo de tumores na mama e no útero. “Graças a essas ações, não registramos
nem um caso sequer de câncer avançado na região de Barretos há cinco anos”,
comemora Prata.
Pelo trabalho, ele recebeu um certificado de qualificação do
instituto holandês National Expert and Training Centre for Breast Cancer
Screening (LRBC), renomada instituição de prevenção de câncer de mama no
exterior.
Nascido no Jardim Europa, Zona Oeste da capital, Prata
mudou-se para o interior paulista aos 4 anos, porque seus pais, médicos
formados pela USP, queriam montar um hospital de tratamento de câncer em um
lugar onde não houvesse atendimento adequado. Ele, no entanto, não quis seguir
essa carreira.
Preferiu ficar ao lado do avô, fazendeiro bem-sucedido.
Aprendeu, ainda adolescente, a negociar, comprar e vender gado. Nos anos 80,
adquiriu terras desvalorizadas no norte do país e as transformou em fazendas
lucrativas de gado de corte. Seu rendimento vem dessa produção.
Prata em seu rancho (Ricardo D'Angelo/Veja SP)
Nessas andanças, também tomou gosto por montar cavalo e passou
a frequentar rodeios. Começou a competir aos 17, e, na época, venceu dois
torneios no Paraná. Profissionalizou-se e chegou a ganhar por três vezes, em
Barretos, na categoria bulldog, na qual o participante tem de agarrar o boi
pelos chifres e levá-lo até o chão. Parou de competir no fim da década de 90,
por falta de tempo, mas não abandonou as arenas de vez. Hoje atua como
madrinheiro, o sujeito que protege o peão de ataques do animal.
O hospital de seus pais, o São Judas Tadeu, foi aberto em
1962, em Barretos. Em 1989, no entanto, o negócio tinha acumulado tantas
dívidas que a família decidiu encerrá-lo. Prata foi o escolhido entre os cinco
irmãos para cuidar do fechamento do hospital. Mas, depois de conversar com
médicos e sonhar, em uma noite, com a planta de um novo centro de saúde, mudou
completamente de ideia. “Algo ‘divino’ aconteceu dentro de mim”, recorda.
“Percebi que pôr esse projeto de pé era minha missão.” O
rapaz convenceu os pais a tentar sanar o empreendimento e passou a realizar
festas e leilões de gado a fim de angariar fundos para quitar dívidas e ampliar
as instalações. Aos poucos, conseguiu persuadir fazendeiros da região a fazer
doações e, em 1991, inaugurou a primeira ala do complexo.
Prata não se contentou com essas conquistas. “Sou
comerciante e tenho uma boa capacidade de convencer as pessoas”, diz. Foi um
contratempo envolvendo Chitãozinho e Xororó, naquele mesmo ano, que o fez
enxergar uma oportunidade. Os cantores foram à cidade para fazer shows por dias
seguidos durante a Festa do Peão de Barretos.
Ao lado de Chitãozinho e Xororó no lançamento de seu
primeiro livro, ‘Acima de Tudo o Amor’ (Arquivo Pessoal/Veja SP)
O pecuarista ficou sabendo que Xororó não gostava de dormir
fora de casa. A intenção do cantor era voltar para Campinas, onde mora, após a
apresentação, e retornar a Barretos no dia seguinte. Mas, na hora em que o
espetáculo terminou, o aeroporto local estava fechado e seu avião não pôde
decolar. “Enquanto o Xororó estava bravo e angustiado, fui negociar com o empresário
da dupla. Disse que conseguiria a abertura do lugar, e a única coisa que
pediria em troca era uma visita ao hospital.”
Os músicos toparam. Prata cumpriu o combinado e, na manhã
seguinte, cobrou a promessa. Os dois ficaram impressionados com o que viram e,
a partir de então, começaram a fazer shows beneficentes para contribuir para a
entidade. “O Henrique é uma pessoa brilhante, o trabalho que ele faz não é para
qualquer um. Acreditamos muito nesse projeto”, afirma Xororó.
Os sertanejos tornaram-se “embaixadores” de Barretos e
instigaram outros artistas a se engajar na causa. Entre eles está a
apresentadora Xuxa, que começou a ajudar na década de 90 e hoje é uma das
maiores colaboradoras da instituição. “Logo nas primeiras iniciativas, ela
promoveu um leilão de algumas de suas roupas. Vendeu até o vestido e a lingerie
que estava usando. Arrecadamos 4 milhões de reais”, lembra Prata.
“O Henrique é um caboclo com coração enorme”, elogia Xuxa.
Depois disso, vieram outros famosos, como Ivete Sangalo, Victor e Leo, Gugu
Liberato e Fernando e Sorocaba.
Na luta contra a doença, muita gente faz questão de vir de
longe para ser atendido em Barretos. É o caso da representante comercial
Luciana de Carvalho, que se mudou do Tocantins para o município, em 2016, com o
objetivo de tratar o filho Calebe, 4, de uma leucemia. “O início foi difícil,
mas hoje consigo enxergar um futuro para ele.”
Luciana e o filho Calebe (Ricardo D'Angelo/Veja SP)
O fazendeiro Rubens de Lima, 50, saiu de Serranópolis, em
Goiás, acompanhado da esposa, Lucimar Lima, 48, para extrair um tumor maligno
da próstata no mês passado. “Conheço vários casos bem-sucedidos daqui”,
explica. “Então, não pensei duas vezes na hora de fazer as malas.”
Devido a um câncer no fígado, a aposentada Mitsuko
Kanashiro, 85, moradora do Ipiranga, na Zona Sul, removeu parte do órgão em
janeiro de 2016 e, hoje, vai a Barretos a cada três meses para fazer exames.
“Meus parentes que são médicos disseram que não existe lugar melhor no Brasil para
se tratar do problema.”
Nos últimos anos Prata vem se dedicando a buscar parcerias
internacionais para o hospital. Passou a viajar com médicos do complexo para
visitar entidades de saúde e possíveis investidores nos Estados Unidos, Canadá,
Japão e Europa. Com isso, obteve alguns financiamentos para ampliar e equipar
suas instalações e fechou convênios com institutos de pesquisa.
Nessas viagens, aproveitou para ir atrás de celebridades que
admirava. Uma delas é o cantor country americano Garth Brooks, seu maior ídolo.
Prata embarcou em 2011 para Las Vegas, onde o astro faria um show, e ficou à
porta do camarim esperando para conversar com ele. Como não fala inglês, levou
seu filho caçula, Antenor, para servir de intérprete.
“O Garth questionou o motivo de o ter escolhido. Respondi
que admirava o trabalho de caridade que ele fazia nos Estados Unidos. Falei
ainda que ele era melhor que o Michael Jackson, o Elvis Presley e os Beatles.”
O discurso acabou, de alguma forma, conquistando o músico.
Mitsuko, que vai a cada três meses ao hospital (Ricardo
D'Angelo/Veja SP)
O cantor veio ao Brasil em 2015, apresentou-se na Festa do
Peão de Barretos e arrecadou 6,4 milhões de reais para a fundação. Outra
investida foi em Beyoncé, sua cantora pop predileta. Prata chegou a agendar uma
reunião horas antes da apresentação que ela iria fazer no Estádio do Morumbi,
em 2013, mas o voo do fazendeiro atrasou e ele perdeu a chance de falar com a
estrela. “Não desisti. Agora ela está ocupada com os gêmeos, que nasceram no início
do mês, mas, assim que as crianças crescerem um pouco, marco um novo encontro”,
garante.
Queridinho dos famosos, Prata também cultivou desafetos em
sua trajetória, sobretudo para cobrir os custos altíssimos da
megainfraestrutura da instituição, de 35 milhões de reais por mês, somando-se
todas as unidades. Hoje, 14 milhões desse montante são bancados pelo SUS graças
às parcerias com os governos, mas nem sempre foi assim.
O pecuarista teve de bater de frente com vários políticos
para obter os financiamentos necessários. Na sua lista de inimizades,
encontra-se o secretário estadual de Saúde, David Uip. “Ele vive me
perseguindo”, afirma Prata. “Beneficiou outros serviços, mas não queria
credenciar meus hospitais no SUS de jeito algum. Já foi convidado várias vezes
para conhecer nosso trabalho, mas nunca veio. Dizem que ele é um bom médico,
mas de câncer não deve entender nada.”
Uip é político na resposta. “Não é nada pessoal”, garante.
“Existem regras para o credenciamento, e elas precisam ser cumpridas. E
pretendo ir, sim, a Barretos, ainda neste ano.”
Em 2016, Prata conseguiu incluir suas filiais paulistas no
SUS ao fazer o pedido diretamente ao governo federal. Hoje, sua batalha é com o
Ministério da Saúde. “O centro de Porto Velho, em Rondônia, atende 700
pacientes por dia há seis anos, e até agora não consegui o credenciamento dessa
unidade”, queixa-se. “Apoiamos a iniciativa de Barretos”, afirma o ministro
Ricardo Barros. “Nesse caso específico, estamos aguardando definições por parte
do governo de Rondônia para aprovar o processo de habilitação.”
Rubens, com a esposa, Lucimar: pacientes percorrem
quilômetros para se tratar no centro (Ricardo D'Angelo/Veja SP)
O empresário tem três filhos: Henrique, 39, Adriana, 38, e
Antenor, 36. O mais velho o ajuda a cuidar dos negócios na capital. Prata é
também avô de cinco netos. Ele foi casado por 31 anos com a primeira e única
esposa, Iraídes, e está separado desde 2005. Namora atualmente a dentista
Eliane Marton, 28. “Ele é um homem superinteligente, não mede esforços para
fazer o bem aos outros”, derrete-se ela.
O casal, no entanto, não mora junto. Prata vive sozinho em
um rancho de 60 alqueires, onde cria 150 cavalos de rodeio e quartos de milha,
a cinco minutos de carro do complexo. No meio do terreno fica sua mansão, de
cinco suítes. Nela, recebe convidados da festa do peão, e hospeda parentes de
amigos que chegam para se tratar no hospital e funcionários que ficam doentes e
precisam de repouso.
O pecuarista também administra uma faculdade de medicina,
aberta em 2011, em Barretos, chamada Dr. Paulo Prata (em homenagem a seu pai),
apresenta um programa semanal na Rede Vida, Acima de Tudo, o Amor, no qual dá
dicas sobre gestão hospitalar, e tira ao menos uma semana por mês para visitar
suas fazendas, a bordo de seu jato, um Cessna Citation, que ele mesmo comanda
(é piloto comercial há mais de quarenta anos, com 15 000 horas de voo).
A nova empreitada do “caubói” é o lançamento de seu terceiro
livro, a autobiografia A Providência, pela Editora Gente, no próximo dia 18,
que conta a história de sua família. “Meus antepassados eram muito cristãos e
humanistas. Eles me levaram ao caminho que optei por seguir, ajudando as pessoas.”
Prata com Eliane: namoro nas horas de lazer (Reprodução
Facebook/Veja SP)
Planos para o futuro? Auxiliar ainda mais gente. Tanto é que
ele acabou de assumir a gestão da Santa Casa de Misericórdia de Barretos. “Já
tenho tudo o que quero na vida pessoal. Como descobri que meu talento para os
negócios pode salvar vidas, é isso que quero continuar fazendo cada vez mais.”
CAVALOS, JATINHOS E RODEIOS
Nome: Henrique Duarte Prata
Local de nascimento: Avenida Brigadeiro Faria Lima, Jardim
Europa, em São Paulo, em 18 de dezembro de 1952.
Família: filho de Paulo Prata e Scylla Duarte Prata, médicos
formados pela USP. É o terceiro de cinco irmãos. Foi casado por 31 anos com
Iraídes Morais, com quem teve três filhos: Henrique, 39, Adriana, 38, e
Antenor, 36. Está separado desde 2005 e hoje namora a dentista Eliane Marton,
28.
Endereço: um rancho de 60 alqueires, a cinco minutos do
hospital, onde são criados 150 cavalos. Nele, mora sozinho em uma mansão com
cinco suítes.
Uniforme: camisa social de cor clara, calça jeans, bota de
couro e chapéu (quando não pode usá-lo, deixa-o no banco do carro).
Paladar: seu prato predileto é o arroz com feijão
acompanhado de frango, carne vermelha, porco ou bacalhau.
Hobbies: participar de rodeios como madrinheiro (o sujeito
que protege o peão do ataque do boi na arena), ir ao Texas, nos Estados Unidos,
para assistir a shows country e pilotar seu jato, um Cessna Citation.
Viagens: já esteve em mais de quinze países, entre eles
Suécia, Alemanha e Japão.
Saúde: após uma crise de stress, há quatro anos, passou a
praticar musculação, pilates e aeróbica. Fora isso, não tem nenhum outro
problema de saúde. Nunca teve câncer — nem ele nem ninguém de sua família.
Religiosidade: católico fervoroso, vai à missa todo domingo
e mandou construir uma capela a Nossa Senhora de Guadalupe em seu rancho.
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