Três dias depois de ser lançada, avaquinha virtual criada para ajudar a agente da Operação Lei Seca Luciana Silva Tamburini a pagar R$ 5.000 deindenização por abuso de poder ao juiz João Carlos de Souza Corrêa, titular do 18º JEC (Juizado Especial Criminal) do Rio de Janeiro, arrecadou mais de quatro vezes o valor pretendido. Na manhã desta sexta-feira (7), o valor obtido pela iniciativa ultrapassava os R$ 21 mil.

O valor total da indenização foi alcançado ainda na terça (4), cerca de nove horas depois da criação do financiamento coletivo, no site "Vakinha". Nesta manhã, ainda havia R$ 15,2 mil a confirmar. A advogada paulista Flavia Penido, criadora da vaquinha, informou na página que todo o valor excedente será entregue à Luciana, "como uma reparação da sociedade pelo sofrimento dela durante o caso e o curso do processo".
A agente, que disse não se arrepender da abordagem, afirmou que vai doar o que sobrar das doações para uma instituição de caridade. A vaquinha ficará aberta até a próxima semana. Flavia disse que o valor apurado será entregue à Luciana em um ato público, em data ainda não marcada.
"Você ver que a sociedade está ao seu favor eu acho que já é um grande incentivo para todo mundo", declarou a agente, em entrevista à TV Globo nesta quarta (5). Ela contou ainda que recebe salário de R$ 3.600 e que teria dificuldades para pagar sozinha o valor total da indenização.
Entenda o caso
Corrêa, que era titular da 1ª Vara da Comarca de Búzios, estava sem a CNH (Carteira Nacional de Habilitação), conduzia um carro sem placa e estava sem os documentos do veículo quando foi parado. Ele acusou uma das agentes da operação de desacato ao ser informado que o carro seria removido para o depósito. Segundo a denúncia, houve um desentendimento verbal entre os dois e o caso foi parar na 14ª DP (Leblon). O juiz chegou a dar voz de prisão para a agente, mas ela se negou a ir à delegacia em um veículo da Polícia Militar.
"Ao apregoar que o demandado era 'juiz, mas não Deus', a agente de trânsito zombou do cargo por ele ocupado, bem como do que a função representa na sociedade", escreveu o desembargador José Carlos Paes, da 14ª Câmara Cível do TJ-RJ, que manteve a condenação em segunda instância.
Na ocasião, o magistrado fez o teste do bafômetro, que não apontou a ingestão de álcool, mas recebeu duas multas: uma por não licenciar o veículo, que estava sem placa, e outra por não portar a CNH.
De acordo com a Secretaria de Estado de Governo do Rio, que promove a operação, a Corregedoria do Detran-RJ abriu um processo disciplinar para apurar a conduta dos agentes na ocorrência e não constatou nenhuma irregularidade. Ainda segundo o governo estadual, o registro de ocorrência realizado pelo crime de desacato na 14ª DP foi formalizado como fato atípico pela falta de provas.
A reportagem procurou o TJ-RJ para tentar entrevistar o juiz e o desembargador, mas foi informada que nenhum dos dois se pronunciaria e que o tribunal não emitiria posicionamento sobre o caso.
Vaquinha
A advogada Flavia Penido, que não conhece Luciana pessoalmente, justificou a iniciativa dizendo que a decisão "é um acinte a todos aqueles que defendem o direito de igualdade". A página ganhou o nome de "A divina vaquinha", uma referência irônica ao fato de que a agente disse que o juiz não é Deus. A advogada também propôs que a hashtag "#juiznaoehdeus" fosse compartilhada para divulgar a vaquinha. Dezenas de usuários da rede já haviam replicado o termo pedindo apoio para a agente.
"O pessoal está indignado. Eu, como cidadã, também fiquei. Como advogada, eu achei a decisão do tribunal digna de muitas críticas. Pode-se questionar se foi certo ou não ela ter dito que ele era juiz, mas não Deus, mas na hora que a gente confronta as duas atitudes é óbvio que ele estava errado", afirmou Flavia, que atua na área de direito digital.
O objetivo da iniciativa, segundo ela, não é apenas ajudar a agente financeiramente. "A intenção também foi dar suporte emocional a ela, fazê-la perceber que a atitude dela não foi em vão, que ela não está sozinha", disse. Para Flavia, é importante que o Judiciário perceba que a sociedade está atenta ao seu trabalho. "É um tapa com luva de pelica", resumiu.
Juiz perdeu habilitação
Pouco mais de dois anos depois de ser parado na blitz que gerou o processo contra a agente, o juiz João Carlos Corrêa foi novamente parado na Operação Lei Seca eperdeu o direito de dirigir por um ano, por se recusar a fazer o teste do bafômetro, em março de 2013.
Segundo a Secretaria de Estado de Governo do Rio, na ocasião ele recebeu multa de R$ 1.915,40 e teve a carteira de habilitação recolhida pelos agentes da operação, pois a infração é considerada gravíssima. O veículo do motorista foi liberado após a apresentação de um condutor habilitado.
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